02/12/2012 - 03h00
Fernanda Montenegro fala da dor de ver sua geração
morrer e critica idealização da infância
O monitor mostra uma senhora de cabelos
grisalhos disparando ironia para a atendente de um laboratório de análises
clínicas: "Essa coisa de melhor idade é pra vender pacote de turismo pra
velho". "Corta! Excelente", grita o diretor Jorge Furtado.
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A fala da personagem dona Picucha em
"Doce de Mãe", especial de fim de ano da Globo, cabe perfeitamente na
boca de sua intérprete. Aos 83 anos, Fernanda Montenegro endossa o texto.
"Não me diga que ter de 80 para 90 anos é a melhor idade. É demagogia",
diz ela à repórter Eliane Trindade.
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Senhora do seu tempo, a atriz põe na
balança os prós e contras dos muitos anos que carrega. "O mais difícil é
saber que você está na fase definitivamente conclusiva da vida. É melhor
encarar."
A finitude bate à porta a cada perda, a
começar pelo companheiro de 60 anos de vida, Fernando Torres. "A coisa
mais dolorosa pela qual tenho passado é ver a minha geração morrer. Nos últimos
cinco anos, morreram, além dele, Paulo Autran, Raul Cortez, Gianfrancesco
Guarnieri, Renato Consorte, Sérgio Viotti, Sérgio Brito, Ítalo Rossi e Millôr
Fernandes."
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Ela se emociona ao concluir: "Você
olha em volta e a sua memória está ligada a todo esse mundo que se vai. É muito
forte". Na lista de baixas recentes, tem ainda Hebe Camargo que, como ela,
nasceu em 1929. "Vivemos o mesmo período da história. Quem substitui?
Ninguém."
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Mora só desde que ficou viúva, em 2008.
"À noite, eu fico sozinha, não tenho empregada nem dama de
companhia." Não se habituou à ausência de Fernando. "É estranho.
Ainda acho estranho, mas não tem solução."
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Teme a solidão? A resposta requer
tempo: "Essa palavra é tão forte"¦ Eu gosto de estar só. Não que
goste de solidão. A minha não é vazia".
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A exemplo de outros
"oitentões" atuais, a atriz é bastante ativa. "Tenho uma vida
intensa, viajo muito a trabalho." Acabou de filmar o longa "O Tempo e
O Vento", também no Sul, e já anda às voltas com a nova peça, um texto sobre
a vida de Nelson Rodrigues que pretende levar aos palcos em 2013.
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"Mas sinto que meus filhos se
preocupam", admite. Ela é mãe da atriz Fernanda Torres, 47, e do cineasta
Cláudio Torres, 49. "Quando toca o telefone e não atendo logo, um telefona
pro outro, que telefona pra produtora, que telefona pro secretário. E eu só
estava no banho. Como amor de filho, isso me toca."
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Dona Picucha foi escrita para a atriz.
Os quatro filhos da personagem se veem às voltas com o dilema: Quem vai cuidar
da mamãe? "É inevitável. A velhice chega, os filhos têm suas vidas, suas
casas e suas necessidades. Há uma preocupação de que é preciso dar atenção à
famosa terceira idade. É um desassossego para os dois lados."
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O drama é contado com humor. No set, a
prole de Pichuca --os atores Marco Ricca, Louise Cardoso, Mariana Lima e
Matheus Nachtergaele-- discute um revezamento para cuidar da idosa. Estão no
hospital, onde a mãe foi parar após uma bebedeira. "É uma coisa bem rara
na idade dela: um porrão", explica a primogênita vivida por Louise. A cena
vai ao ar no dia 27.
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"Os quatro filhos da Picucha não
são diferentes de nós. Eles têm que levar a própria vida, que não deixa mais
espaço para se cuidar dos velhos", constata Matheus.
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O diretor conta que o papel foi escrito
para Fernanda. "É uma mulher da idade dela, que não fez plástica para
tentar ficar 'forever young'." Fernanda agradece: "Picucha é uma mãe
e avó que aceita, com humor, o tempo vivido".
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Nada de luz especial ou maquiagem para
atenuar marcas na tela. "Do ponto de vista interpretativo é um relax. Os
empapuçados dos meus olhos ajudam a personagem." Em um comercial de banco
em 2010, a atriz foi rejuvenescida com Photoshop.Na vida real, nunca pensou em
fazer lifting. "É de temperamento. Se você quiser tomar banhos de
cirurgias plásticas, ótimo. Há quem fique feliz em ir se esticando pela vida,
às vezes, com resultados extraordinários. Perdi esse bonde. Quem me quiser, tem
que me querer com meus papos, minhas rugas."
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Nas filmagens de "O Tempo e O
Vento" embranqueceu o cabelo. "Se parasse de representar, e eu não
penso nisso, deixaria meu cabelo branco sem problema. Se me der na veneta, não
pinto mais."
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Da mesma forma que não idealiza a
velhice, não o faz com a infância. "Criança sofre muito. É todo um
processo de civilização, de coerção e de enquadramento em cima delas. E isso é
uma agressão violenta", diz. "Quando ouço alguém dizer que a infância
foi a parte mais feliz de sua vida, olho com muita desconfiança. Deve ter sido
tão terrível que nem se lembra."
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A avó Fernanda é presente, quando
possível e sem culpas, na vida dos três netos. "Estamos juntos nos
aniversários, aos domingos, quando se consegue. "
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Não tem e-mail. "Ainda gosto de
escrever à mão. Não me iniciei nesse mundo de Facebook, internet. Acho fantástico.
As fronteiras acabaram. É o ser humano solto, indomável." Usa minimamente
o celular. "Se ele puder ficar desligado, prefiro."
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Sem saudosismo. "Não vivo no
passado." É só elogios à nova versão de "Guerra dos Sexos", onde
aparece em retratos ao lado de Paulo Autran. "Foi a única vez em que
trabalhamos juntos, uma dupla que se fez muito feliz." Ela ressalta não se
tratar de "remake". "É outra brincadeira. O elenco é
espetacular."
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Fala com orgulho da geração de sua
filha. "É um grupo de atrizes extremamente talentosas e poderosas, com uma
folha de serviços de quem não está brincando na vida. Isso dá uma visão
imorredoura da profissão."
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Volta a se emocionar ao falar de
legado: "Nada é mais importante do que meus filhos e netos. Eles
justificam a minha vida. Algo meu vai estar lá no fim deste século. Se eles
procriarem, parte minha restará pelos milênios afora. Penso muito nessa cadeia
de seres que foram se sucedendo e chegaram até mim. Não parei a corrente".
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Para encerrar a conversa no café do lobby
do hotel em Porto Alegre, onde se hospedou nas três semanas de gravação, ela
recusa o título de "a grande dama do teatro e da tevê". "Isso é
bobagem, um resquício do século 19. Como estamos no século 21, e já se passou
um século inteiro, deram uma acalmada nisso."
(da Folha,no UOL)
E as mãos sempre acham uma coisinha pra fazer:
Ça pourait être quelque autre chose
Aznavour,"Deux guitarres"
On est vivant aujourd'hui,on sera mort demain et encore plus après demain.
Tradução literal:tudo cansa,tudo quebra,tudo é substituído.
En français,tout est miex!
É uma mulher admirável e realista!Realmente dizer que velhice é melhor idade, é sarcasmo! Sentir dores não tem nenhum glamour! Amiga estou começando um sorteio no blog e será amanhã, compareça!Bjs Nina
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